quinta-feira, 15 de outubro de 2009

PRIMOGÊNITA RENEGADA


Eu ainda me lembro quando a colocaram nos meus braços. Tão frágil, tão pequena. A envolvi num terno abraço e ofereci todo o meu carinho de mãe... eu sabia que aquele momento estava condenado a nunca mais acontecer, pois meu bebê era uma menina. Vivemos em um país no qual os casais só podem ter um filho. Meu marido sonhava com um menino, para manter a tradição do nome e da honra da família. Mas veio uma menina... não podemos tentar novamente. Quando ele chegou, correu para o quarto. O meu olhar já revelava que não era o que ele esperava. Sua decepção foi aterradora. Eu me lembrei da família dele me dizendo que eu tinha a obrigação de lhe dar um menino porque era um sonho dele... Ele correu até mim e a me tirou dos braços. Meu instinto de mãe falou mais alto e o ataquei. Os irmãos dele me seguraram, exclamando que era o melhor a ser feito. Eu tinha que tentar novamente. Estava em jogo a honra e o nome da família. Eu não sei onde minha filha foi parar. Chorei por dias, sentia ódio do meu marido e demorei muito para perdoa-lo. Mas cresci aprendendo que honra é o bem mais importante. Aceitei. Mas às vezes eu sonho com ela, jogada em uma sarjeta... coberta por seu próprio sangue. Esquecida. Invisível.

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